quinta-feira, 24 de abril de 2008

O Paradoxo da Liberdade


É porque eu sou a minha voz, é porque ela existe minha no instante em que a estou erguendo, que me escapa a sua intelecção. E todo o equívoco do problema da liberdade está aí. Porque a liberdade experimenta-se e nada a pode demonstrar. Demonstrá-la exigiria que estivéssemos fora de nós, porque na própria demonstração estamos sendo o homem livre cuja liberdade desejávamos provar. Assim essa tentativa, como disse, é tão absurda como pretender a intelecção de uma língua fora de uma qualquer língua. Porque enquanto entendo uma língua, estou sendo aquela língua dentro da qual estou entendendo a outra. Quanto estou tentando entender a minha liberdade estou sendo quem sou na intelecção disso que sou. Eis-nos pois remetidos para o limiar de nós próprios, para o absoluto da escolha antes da escolha, para a identidade incompreensível entre o ser que é o nosso e a escolha desse ser.
Que tem que fazer aqui a razão? Somos livres, como sabemos na consciente vivência do acto de ser consciente. Somos livres, como o sabemos da possibilidade de se ser e de se saber que se é, da infinita e infinitesimal diferença entre mim e mim, entre ser-se o que se é e o saber-se que se é esse ser, da infinitesimal diferença entre o ser que é o nosso e o ter querido ser esse ser. Mas do estar-se sendo quem se é e do paralelo saber-se que se é e se quis ser esse ser, não é possível arrancarmo-nos nem para sermos outro ser diferente daquele que se quis ser, nem para entendermos como e porquê o que nos faz querer ser o que somos, nos fez de facto querer ser esse ser. Porque quando queremos isso e nos colocamos pois antes disso, já estamos sendo esse isso. Assim a intelecção da liberdade oscila perpetuamente entre a afirmação gratuita dessa liberdade e de um rigoroso determinismo. É-se livre quando se é quem se é; mas sermos quem somos é termos de ser esse que somos, já que não podemos ser quem não somos. Assim essa liberdade é ininteligível e sem fundo, pólo da nossa infinitude, significação-limite do sermo-nos. Vergílio Ferreira, in 'Invocação ao Meu Corpo'

1 comentário:

EstreLinha disse...

eh stora :P tá cá com uma foto ",